Considerei uma certa urgência em escrever
a respeito do meu processo no Laboratório do Desconhecido, carinhosamente
chamado de Lab, visto que a própria natureza, a dinâmica do grupo, envolve a
perda de informação, tanto a respeito do corpo, assim como do produto e grupo em si. Não obstante,
vendo meu movimento perder o seu momentum também me vejo com essa perda ou pelo
menos com essa falta de construção, mesmo sabendo que ela existe.
Enfim, a minha entrada no grupo se deu a
partir do convite, horas antes de acontecer o encontro, de um amigo (Kleyson).
Ele me falara das intenções do grupo, as quais não me ficaram muito claras,
assim como me dissera a respeito da proposta do dia, que era o Corpo Vazio. De
imediato me interessei, pois o meu momento era a da guerra com o meu próprio
corpo e que justamente a minha ideia de corpo vazio, era a de um corpo sem
história, um corpo sem Eu. Apesar disso, eu sempre evitei abordar isso --
sempre. Além da proposta do grupo ele me alertou de algumas ideias que eu deveria
evitar como que o grupo era teatro ou terapia, até mesmo que eu não deveria ver
como um espaço para chorar. Achei estranho, não achei que fosse algo do grupo,
contudo não questionei a respeito, ao invés disso eu resolvi levantar o
seguinte questionamento: "Que corpo esse? Alguém vai ter que me apresentar
a esse tal de corpo". Não respondi a até hoje.
Decidi ir para o Lab despreparado: sem
defesas, exausto e sujo. Não poderia perder essa oportunidade impar. O novo é
sempre tão excitante! Os encontros acontecem na UESPI - FACIME, chegando lá vou
direto ao encontro do Kleyson, este que já não o via pessoalmente há alguns
meses, quando nos vimos nem parecia que estávamos há tanto tempo sem nos falar.
Um rosto familiar é bem-vindo. Ele insistiu em dar as mesmas recomendações que
me dera anteriormente. Achei igualmente estranho. O que teria de tão especial
nesse grupo? Será que ele me daria espaço para desabar?
O dia de sexta-feira, que é o dia dos
encontros, é um dia ótimo para eu me apresentar para um grupo, dia no qual eu
carrego todo o estresse e desgaste da semana, dia no qual eu simplesmente quero
me ver livre de todas as obrigações, dia no qual eu sou um resto da rotina.
Logo, o que me preocupava era meu estado deplorável e a ideia de ser rejeitado
por causa disso. O que eu desejava de fato era estar plenamente limpo.
Impossível. A minha preocupação era de ocultar qualquer sujeira e mal-cheiro do
meu corpo. Também impossível.
Uma das primeiras pessoas do grupo a qual
o fui apresentado foi o Luiz, suposto responsável. Seu ar era curioso, percebi
uma certa curiosidade vinda dele. Fora isso não fui apresentado diretamente
para mais ninguém.
A experiencia no Lab se deu início início
com uma atividade de ceder o corpo para o outro e ao mesmo tempo saber
sustentar o corpo do outro. Tremi. Muita Câimbra. Não cedi. O segundo momento
tinha como proposta o esvaziamento do corpo, tivemos que caminhar com jornais
como sapatos fazendo o minimo de barulho, com a menor presença de si e fazendo
alguma forma de contato com o próximo (predominantemente pelo olhar). Em
relação ao mínimo de barulho eu já estava acostumado, quando ando eu tenho essa
preocupação de não fazer barulho ou pelo menos mais silenciosamente que meu
próximo. Já a presença me preocupava, da mesma forma que eu não queria ser
percebido, eu, contraditoriamente, queria ser notado. Estava desconfortável,
pois sou um estranho no grupo, na vida e para mim mesmo. Olhar era da mesma
forma desconfortável, me revelava, me demarcava como estranho, não olhar para
mim marcava a rejeição. A minha história de olhar é de intimidação. Não sabia
buscar contato, não sabia o que o outro queria dizer. O terceiro momento
envolvia na reunião do grupo para levantar uma pessoa e a conduzir pela sala
enquanto esta contava uma história qualquer. O fato de estar em um grupo de
pessoas desconhecidas, levantando uma pessoa desconhecida, ouvindo uma história
aleatória era tão desgastante e confortável. Era absurdo. Esse ato me lembrou o
mito de Sísifo, não resisti e me despus para ser levantado afim de contar isso.
Foi tão leve estar em cima. No entanto, para mim o que contava era carregar o
outro, carregaria durante horas se fosse preciso. Carregar é preciso, viver
não.
No final teve um momento de conversa. A única
coisa que eu queria falar era a angústia que veio a princípio e o êxtase de
carregar alguém no final das contas. Acabei não falando nada disso.
Concluí que eu poderia continuar no grupo.
Mesmo com todas as minhas incapacidades, mesmo com todas minhas não conclusões.
Queria passar por alí e arrancar algo. Sabia que era só o começo e que eu teria
que encarar coisas inevitável. Percebi que estar no Lab, era estar em crise.
Quem sabe o absurdo da coisa era o Ato. Afinal, que era ato era esse?
No princípio era o ato. No princípio era o absurdo.
No princípio era o ato. No princípio era o absurdo.